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Somos todas Alices

“Minha mãe nasceu em 1937, e aos 56 anos foi vítima de câncer no seio. Tive o privilégio de desfrutar de sua companhia até os meus 28 anos.

Seu convívio e exemplo me ensinaram muito sobre o universo feminino e me tornaram a mulher que eu sou.

Alice era filha de imigrantes portugueses.

Nasceu no Morro do Pacheco, em Santos.

Ficou órfã aos sete anos e teve uma infância infeliz.

Trabalhou desde cedo como empregada doméstica na casa dos padrinhos, onde foi morar.

Subia num caixote para alcançar o tanque cheio de roupa.

Nunca se sentiu parte daquela família.

Na adolescência, para continuar a ter casa e comida, foi faxineira, cozinheira, costureira.

Casou aos 22 anos e teve três filhos.

Eu, única menina e a caçula da família.

Apesar das discriminações que sofreu, educou a mim e a meus irmãos com amor e igualdade.

Nunca me obrigou a lavar louça ou passar as camisas do meu pai.

Não queria que eu assumisse afazeres simplesmente por ter nascido mulher.

Meus irmãos não entendiam porque ela não os poupava dos trabalhos domésticos, como era costume das mães de moleques nos anos 70.

Naquele tempo os meninos podiam brincar na rua e as meninas não saiam de casa.

“Não vou criar minha filha pra ser submissa, ela será ombro a ombro com os homens“, esse era o seu discurso.

Mesmo longe das mulheres desbravadoras e feministas da sua época, que em muitas situações se uniam para protestar e queimar sutiãs em praça pública, ela também lutou, ao seu modo, contra uma sociedade machista.

Contou sobre todas as mulheres de seu passado que tinham ideias à frente do seu tempo.

Incentivou-me a trabalhar desde cedo, a fazer faculdade e vibrou com minhas primeiras conquistas profissionais.

Foi uma grande mulher, a mais admirável que conheci.

Há alguns meses, nasceu uma linda menina em nossa família.

A pequena Alice, filha de minha sobrinha, ganhou o nome de minha mãe.

Quando crescer, saberá que a luta da sua bisavó e de tantas mulheres no passado, não foi em vão.

A cada geração estamos mais valentes e destemidas e mais perto de criar, não o país das maravilhas , mas o da igualdade de direitos, o Brasil que sonhamos para as Alices que virão”.

Saudades, mãe!

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